Votação dos vetos ao orçamento de 2022 ameaçam gastos sociais e para a garantia de direitos humanos

Luiza Calvette e Livi Gerbase, pela Coalizão Direitos Valem Mais

O Orçamento de 2022 foi aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro de 2021. Seguindo o trâmite orçamentário, o presidente sancionou-o em 24 de janeiro, vetando parte das despesas aprovadas, que totalizou um valor de R$3,18 bilhões em 235 ações orçamentárias (Veto 11 de 2022). O último passo da tramitação é a ratificação, ou não, dos vetos pelo Congresso Nacional. Este processo entrou na pauta da sessão conjunta do Congresso dia 17 de março, mas a votação foi adiada.

O orçamento vetado já tem realocação proposta pelo Executivo, que pretende utilizar os recursos para o pagamento de servidores ativos e militares, entre outras finalidades. Essa realocação foi colocada pelo PLN 01, apresentado ao Congresso Nacional em fevereiro, propondo nova destinação aos recursos que podem ficar sem alocação com o veto à LOA e com isso será necessária a abertura de crédito suplementar no valor de R$ 1,7 bilhão para incrementar a folha de pagamento da base do governo.

A Lei Orçamentária Anual – de 2022 aprovada pelo Congresso está muito longe de dar conta das necessidades da população, com reduções orçamentárias graves e valores insuficientes aos direitos sociais. Nesse sentido, é urgente pressionar os parlamentares e incidir pela derrubada do veto presidencial, bem como ampliar a compreensão pela sociedade dos impactos nos gastos sociais e na garantia dos direitos humanos do veto presidencial, que torna esse cenário ainda mais preocupante.

Os vetos se concentraram em dois núcleos:  nas despesas discricionárias – aquelas de gasto não obrigatório – somando R$1.82 bilhão; e nas emendas de Comissão do Senado e da Câmara dos Deputados, somando R$1.32 bilhão. Enquanto isso, foram mantidos os recursos das emendas do relator que totalizam R$16.5 bilhões. Essas emendas dizem respeito ao orçamento secreto, e visam a alocação de recursos para os redutos eleitorais do Centrão, base do atual governo.  Mais preocupante que a origem dos cortes, é o fato de que os gastos sociais, fundamentais para a garantia de direitos, que já estão há anos sendo cortados pelo governo federal, foram o centro dos vetos. As justificativas colocadas pelo governo são duas: de inconstitucionalidade – o que não se sustenta, pois só uma parte desses tipos de emendas foi vetada – e de necessidade de recomposição de despesa com pessoal e encargos. 

As áreas que mais sofreram com os vetos foram Educação e Trabalho e Previdência, porém uma série de outras políticas sociais sofreram cortes que, apesar de parecerem inexpressivos em relação ao total vetado, significam o esvaziamento do orçamento destas políticas.

No Ministério da Educação, que no total teve veto em seu orçamento de R$ 740 milhões, cerca de metade (R$379 milhões) foi vetada da educação básica, mas as instituições federais também sofreram vetos relevantes, no valor de R$ 88 milhões. A Capes e o CNPQ, que há anos estão em processo de desfinanciamento, tiveram vetos no valor de R$ 12 milhões e R$ 9 milhões, respectivamente. Dada a preocupação com o enfrentamento à pandemia e a consequente demanda reprimida por serviços de saúde, é também preocupante o veto de  R$100 milhões de ação de o repasse à Ebserh – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares que administra os hospitais universitários.

Na área de Trabalho e Previdência, o INSS foi o foco dos vetos, que somaram R$988 milhões, realizados nos custos de administração do sistema e serviço de processamento de dados. O veto no orçamento contrasta com o número de 1 milhão e 800 mil pessoas que aguardam na fila de espera para aposentadoria, pensão ou benefício. Essas pessoas dependem em parte de perícia médica, que hoje opera com cerca de 50% do contingente que já operou.

A fiscalização do trabalho também sofreu com cortes, no valor de R$5 milhões. A ação inclui a inspeção do cumprimento da legislação da erradicação do trabalho análago ao escravo e do trabalho infantil. O valor previsto em orçamento, assim como a sua execução e o número de operações de resgate, vem decrescendo exponencialmente nos últimos 10 anos e especialmente desde 2018.

A Assistência Social também sofreu vetos de aproximadamente R$105 milhões, principalmente relacionados à estruturação do SUAS – Sistema Único de Assistência Social. Ressalta-se que é a partir dele que são repassados os recursos aos fundos municipais e do DF, que financiam a execução dos serviços socioassistenciais, programas e apoio e aprimoramento da gestão do Programa Bolsa Família e do Cadastro Único. Além disso, o Programa de Aquisição e Distribuição de Alimentos da Agricultura Familiar para Promoção da Segurança Alimentar e Nutricional foi vetado em um montante de R$ 859 mil. Isto enfraquece como um todo o Sistema Único de Assistência Social, em um contexto no qual a fome, chamada de insegurança alimentar grave, é realidade para cerca de 10% da população. E outros 20,5% da população não contam com alimentos em quantidade suficiente, o que revela uma situação de insegurança alimentar moderada.

No meio ambiente, é frustrante o fato de que, mesmo com aumentos drásticos dos índices de desmatamento e incêndios florestais nos últimos anos, os recursos para a fiscalização também tenham sido cortados. Para a Ação Orçamentária “Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas Áreas Federais Prioritárias”, o PLOA aprovado no Congresso previa R$50 milhões para a ação, mas sofreu veto de R$19 milhões, correspondente a 38% do orçamento de 2022 para a política.

Por fim, as políticas para garantia de direitos de grupos vulnerabilizados têm sido frequentemente alvo de cortes em seus recursos nos últimos anos, em um cenário grave de desfinanciamento, e nos vetos não foi diferente. É o caso das ações para o enfrentamento à violência contra as mulheres, cujo veto foi de R$945 mil, metade do previsto no Projeto de Lei, ou seja, a derrubada do veto poderia dobrar o volume de recursos disponível para política. As Casas da Mulher Brasileira foram desestruturadas nos últimos anos a partir do desfinanciamento, e nos vetos ao PLOA a tendência se manteve, com veto de R$4,9 milhões. Os recursos para a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas, assim como para a Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados, também sofreram vetos, de R$859 mil e  R$773 mil, respectivamente.

Os gastos sociais e para a garantia de direitos humanos, que integram os gastos não obrigatórios, foram o foco dos vetos de Bolsonaro, inviabilizando políticas fundamentais para a garantia de uma vida digna e do bem-estar da sociedade e de seus grupos mais vulnerabilizados. Aqui, destacamos algumas políticas sociais centrais para a população que tiveram corte de recursos, mas lembramos que o montante afetado pelo veto é de 235 ações orçamentárias. É imprescindível, neste sentido, que os Deputados e Senadores derrubem o veto de Bolsonaro na sessão que se aproxima, garantindo a manutenção das políticas sociais, em um ano no qual a crise econômica e social que passa o Brasil está longe de ser solucionada.

Minibio

Luiza Calvette é cientista política e mestranda em Estudos Latino-americanos pela UnB. Atua na área de advocacy  e assessoria legislativa e trabalhou como assessora na Câmara dos Deputados, na Embaixada do México e como consultora do Instituto de Estudos Socioeconômicos. Hoje é assessora legislativa da Coalizão Direitos Valem Mais.
Livi Gerbase é formada em relações internacionais na UFRGS e possui mestrado em economia política internacional na UFRJ. Trabalhou no Núcleo de Inteligência em Política Públicas da Secretaria de Governo do Mato Grosso do Sul e hoje é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos e integra a direção executiva da Coalizão Direitos Valem Mais.

*Em 23/03, às 08h40, este texto foi atualizado para incluir os desdobramentos da tramitação dos vetos