Teto de Gastos

Chegou recentemente no Congresso Nacional uma proposta elaborada pelo Executivo de substituição do Teto de Gastos por um novo arcabouço fiscal, que concilie a promessa do presidente Lula de colocar o pobre no orçamento com o equilíbrio das contas públicas. A Coalizão Direitos Valem Mais, que reúne na luta por justiça fiscal e por um orçamento público orientado a direitos humanos mais de 100 organizações entre movimentos sociais, sindicatos e universidades, apoiou a realização do seminário da COFECON e promoveu seminário próprio em parceria com o Conselho Nacional de Direitos Humanos, com objetivo de trazer para a sociedade nossas análises e preocupações com a proposta do arcabouço.

 

Saudamos a aprovação da PEC da Transição, que reforçou o orçamento de áreas sociais e abriu o caminho para o fim do Teto de Gastos. Já são sete anos de Teto de Gastos com seus efeitos nefastos para o orçamento público. Além de alterar os mínimos alocados para saúde e educação, que levaram a uma queda dos recursos para estas áreas, o Teto afetou principalmente as despesas discricionárias relacionadas a garantia de direitos, destruindo o orçamento de áreas essenciais como políticas de fiscalização ambiental, de assistência social e de combate ao trabalho infantil.

 

Reconhecemos avanços na regra defendida pelo governo federal. O fim dos contingenciamentos bimestrais ajudará os ministérios na execução de suas políticas, e a desconstitucionalização e descriminalização da regra fiscal são passos na direção correta, ao permitirem maior flexibilidade e adaptação do orçamento. Por outro lado, uma avaliação do que cabe dentro da banda de crescimento do gasto é ilustrativa de como os direitos serão negativamente impactados. De acordo com a proposta de regra, as despesas primárias poderão crescer em uma banda entre 0,6% e 2,5% ao ano, a depender do crescimento da receita. No cenário pessimista de 0,6%, não se acomoda o crescimento vegetativo dos benefícios previdenciários, que crescem em torno de 1% ao ano. Logo, o corte de gastos discricionários está implícito. Por sua vez, recente trabalho do Made-USP realiza projeções para 2030 e aponta uma redução dos gastos correntes em relação ao PIB, em todos os cenários, o que prejudicará o enfrentamento dos desafios da educação, saúde e da proteção social, além de dificultar a manutenção de uma política de valorização do salário-mínimo. Apresentamos duas propostas concretas para a melhora no arcabouço fiscal. Primeiro, defendemos que o orçamento total de saúde, educação e políticas de combate à fome, que incluem, mas não se limitam ao Novo Bolsa Família, devem ser exceções ao novo teto de despesas. Este movimento não só garantiria o aumento de recursos para estas áreas, afastando as atuais ameaças de desvinculação dos recursos para saúde e educação, como também liberaria recursos para a estruturação das demais políticas de garantia de direitos humanos.

 

A segunda proposta refere-se a maior flexibilidade para a definição das bandas de metas de superávit e despesas primárias, devendo elas serem definidas por lei ordinária, não por lei complementar, e conter maior teor anticíclico. O piso deve garantir ao menos o conteúdo mínimo dos direitos, por exemplo cobrindo o crescimento vegetativo dos benefícios previdenciários, não permitindo a fome nem a pobreza extrema, e o não retrocesso social, como o nível de gasto já existente na garantia de um direito, como saúde e educação.

 

Para além de mudanças específicas no texto, é urgente que ele se conecte com a pauta tributária e o Plano Plurianual (PPA). Dada a importância de aumento da arrecadação para liberar as despesas primárias e aumentar os investimentos, a reforma tributária progressiva e a revisão de incentivos fiscais são imprescindíveis. Em relação ao PPA, se ele não estiver conectado com a discussão do arcabouço fiscal, corre-se o risco dele se transformar em um instrumento vazio e estimular uma briga por migalhas no orçamento público.

 

Se, por um lado, valorizamos o iminente fim do Teto, por outro entendemos que o arcabouço como foi apresentado para a sociedade ainda permanecerá como um entrave para a retomada das políticas sociais, em um cenário de grave crise ambiental, econômica e social que já deixa R$ 33 milhões de pessoas passando fome e R$ 9 milhões de desempregados. Tal como se almeja com um PPA Participativo, o orçamento público deve ocorrer a partir da base, isso é, definindo as necessidades imediatas da população brasileira para superação da fome, da miséria e das desigualdades, traduzindo-as em metas objetivas para as políticas sociais e a partir de então organizando o orçamento público. Infelizmente, a lógica das regras fiscais ainda é contrária, submetendo a garantia de direitos ao atingimento do superávit fiscal a qualquer custo.

 

Para a Coalizão Direitos Valem Mais são fundamentais a transparência e a participação social, que promovem a ampliação dos espaços de diálogo entre Estado e Sociedade, com vistas a fortalecer o processo democrático. Tais mecanismos contribuem para a construção de políticas inclusivas, evitando medidas elaboradas sem consulta popular, com resultados trágicos para a maioria da população do país. Neste sentido, a discussão sobre os rumos da política fiscal brasileira deve ser realizada de forma ampla e junto com a sociedade, e não de maneira apressada no Congresso Nacional.