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Orçamento 2021 e Pandemia: Sociedade Civil apresenta ao Congresso propostas para a Lei Orçamentária 2021 e denúncia efeitos da PEC 188
As duzentas associações e consórcios de gestores públicos; organizações, fóruns, redes, plataformas da sociedade civil; conselhos nacionais de direitos; entidades sindicais; associações de juristas e economistas e instituições de pesquisa acadêmica das várias áreas sociais que integram a Coalizão Direitos Valem Mais lançam hoje (30/11) nota técnica destinada ao Congresso Nacional e à sociedade brasileira com um conjunto de propostas que visam fortalecer a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2021 como instrumentos para o enfrentamento da pandemia e de suas consequências nas condições de vida da população. A Coalizão representa uma resposta de união entre as áreas sociais e ambiental em defesa de uma economia a serviço da Constituição Federal e contra a disputa estimulada pelo governo federal entre políticas sociais por recursos financeiros diante da redução do orçamento público.
ACESSE A NOTA TÉCNICA NA ÍNTEGRA
As propostas da nota técnica preveem o estabelecimento de um piso mínimo emergencial para as áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar que interrompa a deterioração orçamentária acelerada dessas políticas desde 2015 – com base no princípio constitucional de vedação de retrocessos em direitos fundamentais, reafirmado pelo STF na decisão ARE-639337/2011 – e garanta condições para o enfrentamento do rápido crescimento do desemprego, da miséria e da fome no país, acirrado pela COVID-19.
A Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE divulgada neste mês pelo IBGE mostrou o avanço da insegurança alimentar grave, ou fome, que passou a alcançar 10,28 milhões de pessoas, atingindo mais fortemente lares chefiados por mulheres negras, fazendo com que o Brasil apresentasse o pior patamar desde 2004. O desemprego durante a pandemia deu um salto: somente entre maio a agosto de 2020, cresceu de 10,1 milhões para 12,9 milhões de desempregados. Todos os indicadores sociais do país revelam um quadro desesperador para a população, sobretudo a mais pobre, negra e indígena.
A proposta contida na nota técnica de piso mínimo emergencial no Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA 2021, para suprir a necessidade dos direitos à saúde, educação, assistência social e segurança alimentar e nutricional para 2021, totaliza o valor de 665 bilhões de reais. O valor previsto no PLOA 2021, apresentado pelo governo federal para essas áreas, totaliza 374,5 bilhões, um valor que corresponde apenas a 58% do piso mínimo emergencial para a garantia desses direitos essenciais.
PLOA 2021 (bilhões/R$) | PISO MÍNIMO EMERGENCIAL/PROPOSTA | |
Saúde | 123,8 | 168,7 |
Educação | 144,5 | 181,4 |
Assistência Social | 102 | 305,5 |
Segurança Alimentar e nutricional | 4,2 | 8,85 |
TOTAL | 374,5 bilhões | 665 bilhões |
O que o Piso Mínimo Emergencial viabilizará?
Com o piso mínimo emergencial dos serviços sociais, será possível interromper o processo de desfinanciamento acelerado e garantir condições melhores para que:
- O Sistema Único de Saúde (SUS) enfrente o contexto da pandemia e do pós-pandemia, com a aquisição de medicamentos e vacinas; que considere os efeitos crônicos de saúde gerados pela Covid-19; responda à demanda reprimida por saúde de 2020, decorrente do adiamento de cirurgias eletivas e exames de maior complexidade, bem como da interrupção no tratamento de doenças crônicas.
- A política de educação se organize para a retomada das escolas com menor número de alunos por turma (segundo a OCDE, o Brasil é um dos países com o maior numero de estudantes por turma), maior número de profissionais de educação, adequação das escolas para o cumprimento de protocolos de segurança e proteção, ampliação da cobertura de acesso à internet de banda larga para os estudantes da educação básica e ensino superior no país, retomada dos programas de assistência e permanência estudantil na educação básica e no ensino superior. Na elaboração da nota, considerou-se também o aumento da complementação da União ao Fundeb de 10% para 12% prevista da Emenda Constitucional 108, aprovada pelo Congresso Nacional em agosto, o aumento do montante destinado ao PDDE – Programa Dinheiro Direito na Escola para adequação das escolas às medidas de segurança e a migração de estudantes de escolas privadas para a educação pública, decorrente da perda de poder aquisitivo das famílias de classe média diante do aumento do desemprego e da crise econômica.
- Retomada das condições de manutenção dos serviços e a ampliação da cobertura do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para atender a demanda gerada pela pandemia, aumento do desemprego e de diversas violações de direitos, bem como garantir maior efetividade do programa Bolsa Família por meio de uma rede de serviços integrados. O desfinanciamento progressivo e a insegurança nos repasses federais de recursos ordinários ao SUAS comprometem o atendimento de mais 40 milhões de famílias referenciadas e os mais de 21 milhões de atendimento realizados anualmente, nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) de pessoas e famílias afetadas pelo desemprego, fome, fragilidade nos vínculos familiares e iminência de violência doméstica; diminuição dos atendimentos a pessoas em situação de rua, migrantes e idosos; e a drástica redução do atendimento a crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil ou em exploração sexual nos serviços especializados.
- Enfrentamento do crescimento acelerado da fome e da desnutrição no país por meio da retomada das condições de financiamento do Programa Aquisição de Alimentos (PAA), que fornece alimentos saudáveis por meio da agricultura familiar, beneficiando aproximadamente 185 mil famílias de agricultores familiares e milhões de famílias em situação de vulnerabilidade social que recebem esses alimentos por meio de uma rede de 24 mil organizações socioassistenciais; do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que atende cerca de 41 milhões de estudantes no país; da ampliação do acesso à água para abastecimento humano e produção de alimentos com cisternas no semiárido brasileiro para uma população de 1,8 milhão de famílias; de recursos federais para a manutenção de 152 restaurantes populares no país, que fornecem alimentação para famílias de alta vulnerabilidade social. Atualmente, o país possui uma rede de restaurantes populares construída pelo governo federal que se encontra subutilizada em decorrência da falta de recursos municipais para a sua manutenção.
A Rejeição à PEC 188 e o fim do Teto de Gastos
Na Nota Técnica, a Coalizão Direitos Valem Mais alerta parlamentares, gestoras e gestores públicos e candidatos às eleições municipais deste ano para o grande risco ao país imposto pela PEC do Pacto Federativo. A PEC 188/2019, também relatada pelo Senador Márcio Bittar, responsável pela relatoria da Lei Orçamentária Anual 2021, representa o efetivo desmonte da capacidade do Estado brasileiro de garantir direitos, proteger a população e enfrentar nossas profundas desigualdades sociais. Caso tal PEC seja aprovada, os resultados práticos serão a implosão do pacto federativo brasileiro, com o fim da solidariedade fiscal entre os entes da federação e uma radical e acelerada precarização da oferta de serviços públicos com aumento das desigualdades regionais.
No documento, a Coalizão retoma sua defesa do fim do Teto de Gastos e a necessidade urgente de adoção de medidas fiscais de segunda geração no Brasil como realizada por muitos países; a importância de uma reforma tributária progressiva – solidária, justa e sustentável socioambientalmente – com a tributação emergencial dos setores mais ricos para ampliação das condições de financiamento das políticas públicas e garantia da renda básica permanente, como propõe a Campanha Renda Básica que Queremos e mudanças nas lei de responsabilidade fiscal.
Sobre a Coalizão Direitos Valem Mais
Criada em 2018, a Coalizão é um esforço intersetorial que atua por uma nova economia comprometida com os direitos humanos, com a sustentabilidade socioambiental e com a superação das profundas desigualdades do país e por isso defende o fim do Teto de Gastos, aprovado em dezembro de 2016 pelo Congresso como Emenda Constitucional 95. A EC 95 é definida pela ONU como a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta. Atualmente, duas propostas de emenda revogatória da EC 95 tramitam no Congresso Nacional: a PEC 54/2019 e a PEC 36/2020.
Conheça a Coalizão: www.direitosvalemmais.org.br
APOIO À IMPRENSA
Julia Daher | Assessoria de Comunicação Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
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Nota Técnica | LDO/LOA 2021 e PEC 188: Piso Mínimo Emergencial para serviços essenciais, desmonte do Estado pela PEC do Pacto Federativo e necessidade de mudanças urgentes nas regras fiscais
Ativistas condicionam desenvolvimento sustentável a tributação progressiva e fim do teto de gastos
Denise Carreira: gasto público deve ser visto como fator de dinamização da economia. Foto: Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados
A revogação da emenda constitucional (EC 95) que determina um teto de gastos públicos e a adoção de um sistema tributário progressivo são colocadas por deputados e por representantes da sociedade civil como condições básicas para que o Brasil cumpra os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Esses parâmetros foram apontados nesta quinta-feira (27) durante debate promovido pela frente parlamentar que defende os 17 objetivos da ONU. Esses objetivos, detalhados em 169 metas, recomendam crescimento econômico ligado à inclusão social e à proteção do meio ambiente.
A reunião enfocou os três objetivos sobre fome, pobreza e desigualdade. Representante da Coalizão Direitos Valem Mais, Denise Carreira salientou a importância do estabelecimento de uma nova economia a serviço da população e afirmou que o teto de gastos é insustentável.
“É urgente o fim da Emenda 95, para que a gente possa avançar na proteção da população – ainda mais considerando o contexto da pandemia e do pós-pandemia –, e na retomada das políticas públicas estranguladas nos últimos anos”. “O gasto público deve ser entendido como fator de dinamização da economia”.
O fim do Teto de Gastos não é consenso entro os parlamentares e, na avaliação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a manutenção do mecanismo é importante para garantir a credibilidade fiscal do País. Maia tem defendido, em entrevistas recentes, que os investimentos públicos não podem estar ligados à criação de novos impostos ou à flexibilização da emenda constitucional.
Grandes fortunas
No debate da frente sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Claudio Fernandes, do grupo de trabalho da sociedade civil que acompanha os esforços para o cumprimento das metas até 2030, defendeu impostos sobre grandes fortunas, sobre o sistema financeiro e sobre a distribuição de lucros e dividendos.
“Precisamos de uma reforma tributária que seja progressiva e distributiva. Temos de manter os bons programas de incentivo à transição para a economia circular e diminuir a erradicação da pobreza e da desigualdade no País”, declarou.
Mobilização popular
Deputados de frentes parlamentares ligadas a questões sociais lamentaram o que chamaram de “desmonte” de políticas públicas por parte do governo federal, além de vetos a propostas de apoio a indígenas, quilombolas e agricultores familiares durante o período da pandemia de Covid-19.
Eles apontaram a necessidade de aprovar projetos em tramitação no Congresso, além de uma mobilização popular para interferir na agenda política. O presidente da Frente Parlamentar em Apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, deputado Nilto Tatto (PT-SP) foi um dos que evidenciaram a relevância da participação da sociedade.
“Mesmo sabendo que estamos na pandemia, as redes sociais têm um papel importante, articulado com a ação com os parlamentares parceiros dessa agenda para o enfrentamento da desigualdade nesse país, para o enfrentamento também do debate ambiental necessário”, disse.
Compromisso
Durante a reunião, o presidente da Frente Parlamentar de Soberania Alimentar, deputado Padre João (PT-MG), sugeriu a elaboração de um documento pedindo o comprometimento dos candidatos a prefeito e vereador nas eleições municipais para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Assista o debate na íntegra:
Fonte: Agência Câmara de Notícias
A serviço de quem estão os defensores do Teto de Gastos?
A EC95 não contribui em nada para a racionalização do gasto público e nem para a melhora de sua eficiência, mas sim para a destruição progressiva de direitos, acirramento das desigualdades e ampliação de privilégios da elite econômica.
Por que a dívida pública cresceu no país? O teto de gastos estabeleceu um limite somente para as despesas primárias (aquelas destinadas à viabilização das políticas públicas) e não para as despesas financeiras. Segundo o acórdão do Tribunal de Contas da União 1084/2018, que realizou a pedido do Senado uma auditoria da dívida pública brasileira, o aumento da divida se deve, sobretudo, “ao excessivo nível de incentivos fiscais por meio de subsídios e renúncias tributárias e ao pagamento elevado de juros incidentes sobre a dívida” e não ao gasto público com políticas sociais e ambiental, como sugerido pelo economista.
O Brasil tem política econômica de austeridade: Marcos Mendes afirma que não existe “política econômica de austeridade” no país. Há uma ampla literatura que analisa as políticas de austeridade no mundo, como Blyth, que diverge de Alesina, autor citado por Mendes.
Essa literatura define a austeridade como uma política econômica baseada em cortes orçamentários desproporcionais sobre despesas com direitos. O teto de gastos (EC95/2016) é considerado a medida mais austera do mundo por não permitir crescimento real de despesas (a correção é apenas pela inflação), por ser excessivamente longo (20 anos) e pelo tipo de norma que o determina (emenda à Constituição).
O teto de gastos não decorre do descontrole dos gastos públicos: Mendes também retoma a tese que em 2014 teve início a crise fiscal resultado de um descontrole dos gastos públicos pelo Governo Federal. É necessário afirmar que a crise fiscal não se deveu ao aumento excessivo do gasto público, mas sim à redução da receita, à queda da arrecadação em decorrência, entre outros fatores, do fim do ciclo de commodities e da desoneração de determinados setores econômicos e aos efeitos da crise internacional, acirrados no país pela adoção do ajuste fiscal extremamente restritivo.
O teto de gastos comprometeu a capacidade do país de enfrentar a pandemia: como em seu primeiro artigo sobre a EC95, Marcos Mendes afirma que o Teto não impactou o enfrentamento da COVID-19. Surpreendentemente, chegou a dizer que a EC 95 contribuiu para o aumento em 9,3 bilhões de reais para a saúde. Esse argumento é falacioso por dois motivos.
Primeiro, porque ignora que em 2017 o teto não valia ainda para saúde e educação. Segundo, porque desconsidera os efeitos da liminar na ADI 5595 que acabou com o escalonamento do piso para saúde na Emenda Constitucional 86. De acordo com o estudo da Coalizão Direitos Valem Mais apresentado ao STF, entre 2017 e 2019 ocorreu uma perda de no mínimo R$ 12 bilhões para o piso de recursos para o SUS, com base nos efeitos no valor mínimo a ser aplicado em saúde pela EC 95 em comparação com os da EC86.
O Estado e o funcionalismo público: Apesar da insistência de Mendes no argumento de que o Estado é incapaz e ineficiente, a pandemia tem demonstrado o contrário: os países que melhor responderam à crise sanitária gerada pela Covid-19 foram aqueles que possuem sistemas públicos de saúde, como o SUS.
Sobre o funcionalismo público, não se pode generalizar para o conjunto os privilégios de uma elite que ganha altos salários, inclusive acima do limite constitucional. Majoritariamente constituída por mulheres, cerca de 50% da categoria dos servidores públicos são professores, profissionais de saúde, de limpeza e da segurança pública. Metade do funcionalismo recebe salários inferiores a R$ 2.700 mensais.
O que limita a redução de desigualdade pela política fiscal não é a ineficácia do gasto social e sim a regressividade do sistema tributário. Mendes silencia sobre o fato que temos no Brasil um dos sistemas tributários mais regressivos do mundo, que cobra mais dos pobres e negros e menos dos ricos.
Não há dúvida que os gastos públicos com saúde e educação contribuem decisivamente para a diminuição das desigualdades, como mostra Fernando Silveira no Comunicado IPEA nº 92. Para que o efeito combinado do aumento de gasto social e da tributação impacte mais profundamente as desigualdades e amplie seus efeitos redistributivos, é fundamental um sistema tributário progressivo.
Neste segundo semestre, o Congresso Nacional terá mais uma oportunidade de corrigir essa perversa e histórica distorção na tramitação da reforma tributária, que de forma alguma pode se restringir à mera simplificação da tributação sobre o consumo.
Por fim, sobre o teto de gastos do Rio Grande do Norte: assim como outras unidades da federação, o estado aprovou a PEC 19/2019 que estabeleceu o teto de gastos em resposta à exigência do governo federal para acessar empréstimos.
Mas tanto o Rio Grande do Norte, como outros estados, não reproduziram a EC 95/2016. Na lei potiguar, foram retiradas do Teto as áreas essenciais de Saúde, Educação e Segurança Pública e preservados os investimentos; o teto não ficou vinculado à inflação do ano anterior, mas sim ao crescimento da receita; e a duração é de oito anos, podendo ser revista depois de quatro anos de vigência. Muito diferente dos vintes anos de duração da EC95.
Denise Carreira
Educadora, integrante da coordenação da Ação Educativa, Plataforma DHESCA e da Coalizão Direitos Valem Mais
Fátima Bezerra
Governadora do Rio Grande do Norte (PT), ex-senadora da República (2015-18) e pedagoga
Caio Magri
Diretor-presidente do Instituto Ethos
Regina Adami
Gestora pública, integrante do Irohim e da coordenação nacional da Coalizão Negra por Direitos
Publicação original em: Folha de São Paulo
Somos muitos e diversos os que defendemos o fim do Teto de Gastos
Em artigo publicado na capa do jornal Folha de São Paulo em 19 de junho, o economista Marcos Mendes utilizou informações equivocadas para dizer que a Emenda Constitucional 95 (EC95/2016), aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016 e que instituiu o Novo Regime Fiscal, não afetou educação e saúde e que não reduziu o valor mínimo a ser aplicado em ações e serviços de saúde pública. Para Mendes, muito pelo contrário, o chamado Teto de Gastos teria contribuído para o aumento em 9,3 bilhões de reais dos recursos para a área.
Em resposta ao economista, Francisco Funcia, Carlos Ocké e Bruno Moreti, pesquisadores vinculados, respectivamente, ao Conselho Nacional de Saúde, ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e ao Senado Federal, no artigo “Por que mentir?” – publicado em 25/6 no jornal GGN – apresentam análise detalhada dos números da saúde. O artigo demonstra que a perda da área foi imensa: somente entre 2018 e 2020, em comparação da despesa empenhada com o piso da regra anterior (EC86), os recursos da saúde sofreram queda de 20 bilhões de reais em decorrência da EC95/2016, o que vem comprometendo profundamente as condições de enfrentamento da pandemia da COVID-19.
Na análise que a Coalizão Direitos Valem Mais encaminhou em maio, em resposta ao questionamento da ministra Rosa Weber na Ação Direta de Inconstitucional (ADI 5715), sobre os efeitos no valor mínimo a ser aplicado em saúde pela EC 95 em comparação com o da Emenda Constitucional 86, mostramos que ocorreu uma perda de no mínimo R$ 12 bilhões para o piso de recursos para o SUS, entre 2017 e 2019.
Marcos Mendes, além de distorcer informações orçamentárias ao desconsiderar os efeitos da liminar na ADI 5595 que acabou com escalonamento do piso para saúde da EC86; também afirmou em seu artigo, que os defensores do fim do Teto de Gastos se restringem a um grupo de organizações interessadas em derrubar a EC95 para aumentar os salários dos servidores públicos, em especial, da elite do funcionalismo público, já que o Teto de Gastos impõe um limite individualizado de gastos para cada um dos Poderes.
Nada mais enganoso. Somos muitos e diversos! A defesa do fim da Emenda do Teto de Gastos mobiliza cada vez mais um variado leque de atores políticos que compreendem que é urgente aumentar o gasto social e ambiental para proteger e salvar vidas durante e no pós pandemia e garantir o direito ao isolamento social à população; reagir ao crescimento alarmante das desigualdades no país com respostas redistributivas; transferir recursos do governo federal para estados e municípios sem chantagens federativas; e retomar uma economia em profunda recessão.
Cresce o entendimento em vários setores da sociedade de que o Teto dos Gastos é insustentável, reforçado por análise da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal publicada em junho, de que a manutenção da EC95 gerará em 2021 a paralisação do já precário funcionamento da máquina pública, levando ao chamado shutdown. Por isso, é fundamental que o Congresso suspenda os efeitos do Teto dos Gastos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2021, que deverá ser apreciada pelo parlamento nas próximas semanas.
Entre esses atores políticos que partilham da posição da insustentabilidade da EC95, constam: Conselhos, Frentes e Campanhas Nacionais de Direitos (Saúde, Assistência Social, Direitos Humanos, Segurança Alimentar, Educação, dos Direitos da Criança e do Adolescente etc.); instituições acadêmicas e da área de ciência e tecnologia, fundamentais para o enfrentamento não somente dos desafios colocados pela pandemia, mas para o futuro do país; redes, fóruns, entidades e movimentos da sociedade civil, comprometidos com o enfrentamento das desigualdades brasileiras, do racismo e das discriminações contra as mulheres e com a defesa da democracia, dos direitos humanos e direitos da natureza; entidades empresariais que compreendem a importância do gasto social para a dinamização de uma economia em recessão; associações de gestores públicos, como o Consórcio de governadores do Nordeste e entidades que reúnem secretários municipais das várias áreas sociais, como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação e o Colegiado Nacional de Gestores Municipais da Assistência Social; juristas e economistas das mais variadas trajetórias públicas e perspectivas políticas, entre eles, os reunidos na Sociedade de Economia Política e na Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED).
Grande parte desses atores políticos vem se articulando por meio da Coalizão Direitos Valem Mais – pelo fim da EC95 e por uma Nova Economia, sinalizando uma construção política que visa impedir a disputa orçamentária entre áreas sociais e entre entes federados, estimulada perversamente pelo governo federal. Em março, a Coalizão entrou com um pedido de suspensão imediata da EC95/2016 no Supremo Tribunal Federal e entregou ao Tribunal um amplo estudo sobre os impactos do Teto dos Gastos durante e no pós pandemia, que propõe alternativas para a recomposição do financiamento das políticas sociais e ambiental no país.
Com relação ao plano internacional, a defesa do fim da Emenda Constitucional 95 foi objeto de manifestações explícitas da OEA e da ONU. Esta última a considerou a medida econômica mais drástica contra direitos sociais no planeta ao constitucionalizar a política de austeridade por vinte anos. Recentemente, Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz, se somou aos apelos internacionais e enviou carta a cada Ministro do STF solicitando que a EC95 seja suspensa até o julgamento de sua inconstitucionalidade. Medida fundamental, segundo ela, para a retomada da implementação do Plano Nacional de Educação (lei 13.005/2014) e para a proteção das condições de vida de milhões de meninas e mulheres, mais duramente afetadas pela pandemia.
O crescente apoio público ao fim da EC95, nacional e internacionalmente, também se associa ao movimento global de questionamento do papel da economia em um momento dramático de crescimento da fome, da miséria, do desemprego, da falência de milhares de empresas e do acirramento assustador das desigualdades e violências, em especial, contra pessoas negras, enraizadas no racismo estrutural que organiza a política econômica de austeridade.
Várias análises indicam que o contexto pós pandemia será de brutal recessão econômica em vários países, em especial no Brasil. Com base nessa perspectiva e no alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a possibilidade de novas pandemias, ganha força na cena internacional o debate sobre a necessidade de uma nova economia, que garanta condições para a maior proteção da população – em especial dos setores mais vulneráveis, pobres, negros e indígenas – e do meio ambiente, em uma realidade marcada pela aceleração das mudanças climáticas.
Uma nova economia que: enfrente as abissais desigualdades, que retome a capacidade do Estado de financiar as políticas sociais e ambientais, que garanta a renda mínima permanente em uma realidade marcada pela revolução 4.0 e altas taxas de desemprego, que regulamente de forma precisa o mercado financeiro e a atuação dos grupos transnacionais, que tribute mais os ricos e que, sobretudo, dê um fim às políticas econômicas de austeridade, criticadas inclusive pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como ineficientes em tempo de crise. Como destacado até mesmo pelo jornal britânico Financial Times em editorial de abril, é urgente mudar o rumo da economia global para sustentação da vida no planeta.
No Brasil, esse questionamento da política econômica ainda é tímido nos meios de comunicação, submetido à lógica da blindagem da política econômica de austeridade que tomou a maior parte da imprensa brasileira nos últimos anos. A abordagem sobre os limites e os efeitos dessa política na vida da população e as alternativas a ela ainda recebe pouquíssima atenção na imprensa, predominando nos espaços da mídia as vozes de economistas comprometidos com o modelo econômico atual.
No centro da roda, a pergunta: qual é a responsabilidade social do jornalismo brasileiro com a cobertura econômica crítica e propositiva, tão necessária em um momento extremamente dramático do país? É urgente informar a população, enfrentar com coragem o fundamentalismo econômico que silencia as possibilidades e explicitar que há sim alternativas responsáveis, que exigem, entre outras mudanças, a profunda revisão do conjunto das regras fiscais, uma ampla reforma tributária progressiva e o fortalecimento da capacidade do Estado de garantir direitos constitucionais à população e perspectivas para a nossa juventude, deixando de ser um instrumento em prol da concentração de renda nas mãos de poucos.
- Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte, integrante do Consórcio do Nordeste.
- Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos de Responsabilidade Social das Empresas.
- Regina Adami, gestora pública, integrante do Irohim e da coordenação nacional da Coalizão Negra por Direitos.
- Denise Carreira, educadora, integrante da coordenação da Ação Educativa, Plataforma DHESCA e da Coalizão Direitos Valem Mais.
Artigo publicado pela Coalizão Direitos Valem Mais na Folha de São Paulo em 07/07/2020.
Acesse a publicação virtual e a publicação no impresso.
Entidades lançam Alerta sobre risco de paralisação da máquina pública em 2021
Coalizão Direitos Valem Mais, que reúne 192 organizações e redes de sociedade civil, Conselhos Nacionais de Direitos, entidades sindicais e instituições acadêmicas das várias áreas sociais, lança novo Alerta Público ao Congresso Nacional, sistema de Justiça e sociedade sobre a baixa, lenta, seletiva e desigual regionalmente execução orçamentária do governo federal e a insustentabilidade da manutenção da Emenda do Teto dos Gastos (EC95/2016).
Veja o texto do Alerta Público na íntegra
Quatro meses após a aprovação da lei de medidas de emergência para o combate ao COVID-19 (Lei 13.979), seis das oito principais ações de enfrentamento da pandemia estão com execução orçamentária abaixo de 50%. Na saúde, apenas 25% dos recursos foram executados. Já no orçamento para repasse da União aos Fundos de Participação de estados, municípios e distrito federal, o percentual executado foi de apenas 12%.
Dotação autorizada, paga e porcentagem da execução por ação orçamentária
Ação orçamentária | Autorizado | Pago | %Executado |
00S4 – Auxílio emergencial de proteção social a pessoas em vulnerabilidade | R$ 123,9 bilhões | R$ 76,4 bilhões | 62% |
21C2 – Benefício emergencial de manutenção do emprego e da renda | R$ 51,6 bilhões | R$ 5,8 bilhões | 11% |
21C0 – Enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional | R$ 39,7 bilhões | R$ 9,9 bilhões | 25% |
00S5 – Concessão de financiamento para pagamento da folha salarial | R$ 34 bilhões | R$ 17 bilhões | 50% |
00S3 – Auxílio financeiro aos estados, DF e municípios para compensação da variação nominal negativa dos recursos repassados pelo fundo de participação | R$ 16 bilhões | R$ 1,9 bilhões | 12% |
8442 – Transferência de renda diretamente às famílias em condições de pobreza e extrema pobreza | R$ 3 bilhões | R$ 257 milhões | 9% |
00NY – Transferência de recursos para a conta de desenvolvimento energético | R$ 900 milhões | R$ 650 milhões | 72% |
20TP – Ativos civis da União | R$ 338 milhões | R$ 102 milhões | 30% |
Fonte: IFI, Painel de créditos extraordinários (dados extraídos em 26/05/2020); Elaboração: Coalizão Direitos Valem Mais
Além de chamar atenção para a baixa execução orçamentária no combate à pandemia, o documento também alerta para insustentabilidade de manter o Teto dos Gastos (EC95/2016) em vigência. Aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016, durante o governo de Michel Temer, o Teto de Gastos é considerado pela ONU como a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta por impor drásticos cortes no investimento social e ambiental. A Ministra Rosa Weber é a relatora das seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade que pedem o fim da Emenda. No final de maio, a EC95 foi objeto de carta ao STF de Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz, que pediu às Ministras e aos Ministros da Corte que suspendam a Emenda em prol da vida de meninas e mulheres e da implementação do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014).
Se você está no mercado para clothes, nossa plataforma é sua melhor escolha! O maior shopping!No Alerta Público, a Coalizão destaca que a deflação de 2020 levará a mais cortes em 2021. Isso ocorre em decorrência das regras previstas na Emenda Constitucional 95, que estabelecem a correção dos gastos públicos com base na inflação do ano anterior: a deflação, ou seja, inflação negativa, acarreta diminuição de recursos.
“É fundamental que a Proposta de Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2021, enviada pelo Executivo Federal em 15 de abril, a ser apreciada pelo Congresso até meados de julho, estabeleça mudanças profundas no texto suspendendo os efeitos da Emenda do Teto dos Gastos. A manutenção da Emenda inviabilizará o custeio da máquina pública em 2021 por conta: da deflação nesse ano; da situação extremamente precária das políticas sociais e ambientais; e da necessidade de mais investimentos públicos para a sustentação e ampliação da renda básica emergencial e recuperação econômica no contexto pós-pandemia”, alertam as entidades no documento.
Além da análise orçamentária, o Alerta Público apresenta um conjunto de alternativas econômicas para que o Estado brasileiro recupere a capacidade de financiamento das políticas públicas. O documento também critica os vetos do Presidente Bolsonaro, divulgados no dia 3 de junho, à lei que previa a extinção do Fundo de Reserva Monetária, mantido pelo Banco Central, que possibilitaria a destinação de R$ 8,6 bilhões a estados, Distrito Federal e municípios para compra de equipamentos e materiais de combate à COVID-19.
EC95: a destruição de um país
- No final de maio, a EC95 foi objeto de carta ao STF de Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz, que pediu às Ministras e aos Ministros da Corte que suspendam a Emenda em prol da vida de meninas e mulheres e da implementação do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014).
- Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 constitucionalizou a política econômica de austeridade por vinte anos, estabelecendo a redução do gasto público em educação, saúde, assistência e em outras políticas sociais, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra.
- A EC95 instituiu o chamado Novo Regime Fiscal, estabelecendo uma regra para as despesas primárias do Governo Federal com duração de 20 anos e possibilidade de revisão – restrita ao índice de correção – em 10 anos. Pela regra, o gasto primário do governo federal fica limitado por um teto definido pelo montante máximo do ano anterior reajustados pela inflação acumulada, em 12 meses medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
- Devido aos seus efeitos drásticos, a Emenda é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam seu fim imediato pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.
- Estudos da Plataforma DHESCA; do Inesc, da Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do IPEA, entre muitos outros, vêm demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos.
- Em agosto de 2018, sete relatores da ONU lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo.
- Ainda em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos realizou, depois de mais de duas décadas, uma visita ao Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos. O relatório preliminar da CIDH manifestou grande preocupação com o fato de o país ter uma política fiscal que desconhece “o princípio de progressividade e não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e ambientais”.
- Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população, inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica de austeridade tem como base o entendimento de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos.
- Esse caminho cria um círculo vicioso que desaquece a economia, aumenta o desemprego, diminui a arrecadação de impostos, concentra a renda ainda mais na mão de poucos, destrói setores produtivos da economia nacional e viola – de forma ampla e extremamente perversa – os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobres. Ao contrário: os investimentos sociais diminuem as desigualdades e constituem motor de desenvolvimento econômico com justiça social. Por isso, em vários países, mesmo em períodos de crise, há aumento desse investimento, considerada uma medida anticíclica.
Pelo fim do Teto de Gastos
- No mês de março (17/03), as entidades reunidas na coalizão Direitos Valem Mais entraram com uma petição no Supremo Tribunal Federal pela suspensão imediata da EC 95/16. No documento, as organizações alegam que a pandemia chega ao país em um contexto de extrema fragilização das políticas sociais e de aumento da pobreza da população, e que seus efeitos vão ultrapassar 2020.
- No início de abril (13/04), a coalizão lançou um alerta sobre a absurda priorização do sistema financeiro sem contrapartida na PEC do Orçamento de Guerra, que está em tramitação no Congresso.
- Já em 23 de abril, a derrubada do Teto de Gastos foi recomendada por uma pesquisa orçamentária conduzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), uma das entidades da coalizão. A partir da análise do orçamento público, a pesquisa demonstra que as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da Emenda Constitucional 95 reduziram as políticas sociais necessárias para proteger a população mais vulnerável, deixando o Brasil “com baixa imunidade” para enfrentar a pandemia.
- Na semana passada (29/04), especialistas da ONU emitiram um novo comunicado ao governo brasileiro em que afirmam que a política econômica do país tem colocado “milhões de vidas em risco”. Para que seja possível enfrentar a pandemia, eles recomendam o fim das políticas de austeridade, como o Teto de Gastos, e o aumento o investimento no combate à desigualdade.
- No inicio de maio, a Coalizão entregou à Ministra Rosa Weber um amplo estudo sobre os impactos da EC95 na pandemia e no cenário pós pandemia e lançou um Apelo Público ao STF. O documento respondeu a um pedido de informação da Ministra ao governo federal sobre os impactos do Teto dos Gastos no enfrentamento da pandemia. O governo federal também entregou sua resposta, ignorando completamente as informações do Conselho Nacional de Saúde, demandadas pela Ministra Rosa Weber.
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Alerta Público | COVID-19: da execução orçamentária baixa, lenta e desigual regionalmente à insustentabilidade do Teto dos Gastos
Em carta, Malala pede ao STF suspensão do Teto de Gastos
A Prêmio Nobel da Paz Malala Yousafzai enviou ontem (28/5) aos Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) uma carta solicitando a suspensão da Emenda Constitucional 95, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016, que estabeleceu o chamado Teto dos Gastos. Na carta, Malala pede para que os Ministros e Ministras avaliem a constitucionalidade da Emenda diante da nova realidade social e econômica.
Veja a carta de Malala Yousafzai pela suspensão do Teto de Gastos na íntegra
Defensora do direito à educação de meninas e do aumento do financiamento educacional para a educação pública, Malala manifestou em sua visita ao Brasil, em julho de 2018, grande preocupação com os cortes de recursos públicos que vem inviabilizando a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), lei 13.005/2014 aprovada pelo Congresso Nacional, fruto de um esforço suprapartidário, que contou com forte participação da sociedade civil. A lei do PNE estabeleceu metas para o período 2014-2024 com o objetivo de ampliar a garantia ao direito humano à educação de qualidade: das creches à pós-graduação. Atualmente, o Plano foi completamente abandonado pelo governo federal.
A proposta da carta partiu de demanda do grupo de organizações de educação apoiadas pelo Fundo Malala no Brasil. São elas: Ação Educativa (SP), Associação Nacional de Ação Indigenista – ANAI (BA), Centro de Cultura Luiz Freire (PE), Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (PE), Centro das Mulheres do Cabo (PE), Odara – Instituto da Mulher Negra (BA) e Redes da Maré (RJ).
As entidades vêm se somar ao pedido de suspensão imediata da EC95 apresentado pela Coalizão Direitos Valem Mais em 18 de março à Ministra Rosa Weber. Integrada por 192 instituições, a Coalizão é constituída por Conselhos Nacionais de Direitos, redes, plataformas, organizações da sociedade civil, entidades sindicais e instituições acadêmicas e atua pelo fim da Emenda Constitucional 95 e por uma Nova Economia que retome o financiamento das políticas sociais e ambientais no país.
EC95: a destruição de um país
- Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 constitucionalizou a política econômica de austeridade por vinte anos, estabelecendo a redução do gasto público em educação, saúde, assistência e em outras políticas sociais, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra.
- A EC95 instituiu o chamado Novo Regime Fiscal, estabelecendo uma regra para as despesas primárias do Governo Federal com duração de 20 anos e possibilidade de revisão – restrita ao índice de correção – em 10 anos. Pela regra, o gasto primário do governo federal fica limitado por um teto definido pelo montante máximo do ano anterior reajustados pela inflação acumulada, em 12 meses medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
- Devido aos seus efeitos drásticos, a Emenda é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam seu fim imediato pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.
- Estudos da Plataforma DHESCA; do Inesc, da Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do IPEA, entre muitos outros, vêm demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos.
- Em agosto de 2018, sete relatores da ONU lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo.
- Ainda em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos realizou, depois de mais de duas décadas, uma visita ao Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos. O relatório preliminar da CIDH manifestou grande preocupação com o fato de o país ter uma política fiscal que desconhece “o princípio de progressividade e não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e ambientais”.
- Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população, inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica de austeridade tem como base o entendimento de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos.
- Esse caminho cria um círculo vicioso que desaquece a economia, aumenta o desemprego, diminui a arrecadação de impostos, concentra a renda ainda mais na mão de poucos, destrói setores produtivos da economia nacional e viola – de forma ampla e extremamente perversa – os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobres. Ao contrário: os investimentos sociais diminuem as desigualdades e constituem motor de desenvolvimento econômico com justiça social. Por isso, em vários países, mesmo em períodos de crise, há aumento desse investimento, considerada uma medida anticíclica.
Pelo fim do Teto de Gastos
- No mês de março (17/03), as entidades reunidas na coalizão Direitos Valem Mais entraram com uma petição no Supremo Tribunal Federal pela suspensão imediata da EC 95/16. No documento, as organizações alegam que a pandemia chega ao país em um contexto de extrema fragilização das políticas sociais e de aumento da pobreza da população, e que seus efeitos vão ultrapassar 2020.
- No início de abril (13/04), a coalizão lançou um alerta sobre a absurda priorização do sistema financeiro sem contrapartida na PEC do Orçamento de Guerra, que está em tramitação no Congresso.
- Já em 23 de abril, a derrubada do Teto de Gastos foi recomendada por uma pesquisa orçamentária conduzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), uma das entidades da coalizão. A partir da análise do orçamento público, a pesquisa demonstra que as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da Emenda Constitucional 95 reduziram as políticas sociais necessárias para proteger a população mais vulnerável, deixando o Brasil “com baixa imunidade” para enfrentar a pandemia.
- Na semana passada (29/04), especialistas da ONU emitiram um novo comunicado ao governo brasileiro em que afirmam que a política econômica do país tem colocado “milhões de vidas em risco”. Para que seja possível enfrentar a pandemia, eles recomendam o fim das políticas de austeridade, como o Teto de Gastos, e o aumento o investimento no combate à desigualdade.
- No inicio de maio, a Coalizão entregou à Ministra Rosa Weber um amplo estudo sobre os impactos da EC95 na pandemia e no cenário pós pandemia e lançou um Apelo Público ao STF. O documento respondeu a um pedido de informação da Ministra ao governo federal sobre os impactos do Teto dos Gastos no enfrentamento da pandemia. O governo federal também entregou sua resposta, ignorando completamente as informações do Conselho Nacional de Saúde, demandadas pela Ministra Rosa Weber.
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