A crise econômica que se abateu sobre o país e as políticas de ajuste fiscal que vêm sendo implementadas desde 2015 têm imposto inúmeros retrocessos aos brasileiros. Tais ajustes surgem em um contexto de crise internacional do capital, que para se sustentar, em um novo ciclo, opera concentrando renda e riqueza nos países ricos e impondo a austeridade econômica solução possível aos países do chamado Sul Global.
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A Reforma da Previdência é mais uma etapa deste ajuste e que se insere no pacote das chamadas políticas de austeridade. E, ao contrário do que se dissemina aos quatro cantos do país, essa reforma não prevê mudança para aprimoramento e/ou conservação do sistema previdenciário e, sim, busca desmontá-lo para ser substituído por um novo regime: o de capitalização privada.
Apresentada em fevereiro por Jair Bolsonaro, a atual proposta de reforma da previdência (PEC 6/2019), que se encontra no Congresso Nacional, altera radicalmente a estrutura da previdência pública criada em 1988. Faz isto ao propor substituir o atual regime de repartição, no qual os trabalhadores ativos (geração atual) pagam os benefícios dos inativos (geração passada já aposentada) e, assim, sucessivamente, por um regime de capitalização privada gerido por bancos – a ser detalhado por lei complementar conforme o artigo 201 da PEC.
No atual regime, Estado, trabalhadores e empregadores são corresponsáveis pelo recolhimento das contribuições. Na nova proposta, o trabalhador é individualmente responsável pelas contribuições que serão administradas pelos bancos, a partir de contratos que estão sujeitos a taxas de carregamento e de administração de qualquer outro tipo de investimento privado. O único beneficiário desta reforma da previdência será o setor bancário, que realizará o antigo sonho de abocanhar o lucrativo filão das aposentadorias e pensões de milhões de brasileiros.
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Os defensores da atual proposta dizem que o Brasil não possui mais capacidade para manter o regime de repartição porque as mudanças no índice de natalidade e longevidade dos brasileiros alteraram profundamente a pirâmide demográfica. Em outras palavras, o Brasil tem mais idosos aposentados do que jovens em idade ativa ingressando no mercado de trabalho para sustentar a previdência das gerações futuras.
Eles esquecem, no entanto, de dizer que o Brasil possui, atualmente, cerca de 13 milhões de pessoas desempregadas – é a maior taxa de desemprego em 7 anos em 13 capitais do país, de acordo com o IBGE. E que recuperar a economia, retomando o investimento do Estado em bens e serviços públicos, e aumentando o índice de empregos formais seria, portanto, uma estratégia eficaz, embora não seja definitiva, para manter o regime de previdência pública do país.
O governo federal vem optando pelo caminho inverso, ao dar continuidade à cartilha do arrocho sobre os mais vulneráveis. Uma pessoa pobre que entra e sai da informalidade e do desemprego dificilmente vai cumprir o tempo mínimo de contribuição exigido pela reforma, que passa a ser de 20 anos e não mais de 15.
Hoje, o tempo médio de contribuição é próximo de 15 anos para quem se aposenta com o 5º ano incompleto e, em torno de, 29 anos para os que se aposentam com superior completo. Isso significa dizer que caso aprovada, a nova regra vai restringir o direito de acesso à aposentadoria das parcelas mais pobres da população. E essas pessoas devem adotar de forma compulsória pelo regime de capitalização privada.
O mesmo deve acontecer com as pessoas que possuem renda média e alta. Com a reforma elas precisarão cumprir 20 anos de contribuição e ter no mínimo 62 e 65 anos de idade (mulheres e homens respectivamente) para se aposentarem com apenas 60% da renda média ou cumprir 40 anos de contribuição para se aposentarem com 100% da renda média. O rigor das novas regras deve levar ao abandono gradual do regime público de repartição. Dessa forma, assim como o sucateamento de um serviço público fortalece o apoio popular por sua privatização, essa reforma dará suporte social ao regime de capitalização como alternativa.
Além disso tudo, esta proposta de reforma da previdência é particularmente impactante sobre as mulheres, que passam a ter que contribuir também com 20 anos. A proposta não leva em consideração as duplas jornadas de trabalho vividas pelas mulheres trabalhadoras e também não considera que as responsabilidades reprodutivas recaem quase que exclusivamente sobre as mulheres, o que gera dificuldades de se manterem ativas e formalizadas no mercado de trabalho. Para se ter uma ideia, 39% das mulheres no meio urbano não se aposentariam tendo que ter 20 anos de contribuição, mesmo aos 62 anos. E 18% dos homens não conseguiriam se aposentar por conta do aumento de 15 para 20 anos mínimos de contribuição.
Como a reforma trabalhista, aprovada em 2016, institui a informalidade como regra, dificultando que trabalhadores seguissem contribuindo com o sistema previdenciário, e Bolsonaro ainda cogita a criação da carteira de trabalho verde-amarela, que isenta empregadores de cumprirem compromissos trabalhistas, é possível dizer que reforma da previdência faz parte de um projeto de total desmonte, que tem como estratégia central o desfinanciamento do sistema previdenciário público brasileiro.
Para os povos do campo, a Previdência Social Rural, por meio da efetivação de direitos, se coloca como uma política pública estratégica que possibilita que os trabalhadores e trabalhadoras rurais permaneçam no campo produzindo alimentos saudáveis de baixo custo. Dessa forma, podem seguir contribuindo com a segurança alimentar da população brasileira.
Na área rural, a jornada de trabalho é extensa e, consequentemente, o trabalho penoso e degradante faz com que trabalhadoras e trabalhadores envelheçam precocemente. Com as novas regras impostas pela Reforma da Previdência, o trabalhador/a rural quando idoso/a, além da dificuldade em acessar a previdência social, também enfrentará enorme problema em receber o direito ao benefício assistencial, ou seja, ficará sem qualquer tipo de proteção social.
No que diz respeito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), a atual proposta de reforma da previdência é demasiadamente implacável. Criado pela Constituição de 1988, o BPC é um benefício assistencial que garante um pagamento mensal de um salário mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso cuja renda mensal familiar per capita é de ¼ do salário mínimo. Em relação aos idosos, a idade mínima exigida é de 65 anos, mas a proposta de reforma da previdência atual condiciona o recebimento de um salário mínimo à idade de 70 anos e estabelece um benefício de R$ 400,00 para os idosos que atendam aos critérios de elegibilidade e que tenham entre 60 e 69 anos, dificultando, portanto, o acesso ao benefício e relegando o contingente populacional que não conseguir contribuir por 20 anos e que não atenda aos requisitos do BPC, tornando evidente a predominância de medidas fiscalistas exacerbadas em detrimento de políticas que garantem condições de vida digna às pessoas submetidas ao flagelo da pobreza.
O desmonte da previdência proposto pelo governo de Jair Bolsonaro pode ir mais longe. A reforma da previdência cria um novo mecanismo que autoriza os futuros governos a alterarem o sistema de previdência sem precisarem alterar a Constituição federal. Hoje, para alterar a Carta Magna é preciso quórum de três quintos e votação em dois turnos nas duas casas legislativas, sendo 308 votos na Câmara e 49 no Senado. Se aprovada a PEC 6/2019, uma lei complementar, que requer aprovação de apenas 257 deputados e 41 senadores em votação em turno único, será suficiente para fazer novas alterações na previdência. O conceito seguridade social, previsto no Art. 194 da Constituição federal, também será extinto da Constituição pela nova proposta.
Ao promover o desmonte da previdência e acabar com o conceito de seguridade social previstos na Constituição federal de 1988, o governo compromete significativamente presente e futuro de gerações e gerações de brasileiros e se alinha a outras medidas de retrocesso anteriormente adotadas como a Emenda Constitucional 95, que congela em 20 anos o investimento do Estado em bens e serviços públicos. Além disso, a retirada de regras da Constituição é uma sinalização evidente de que se pretende, no futuro próximo, fazer alterações ainda mais drásticas Previdência Social, retirando completamente dela as responsabilidades de Estado e empregadores.
A Constituição Federal foi construída por meio de muita luta. Os direitos garantidos pela carta magna não podem ser destruídos! No próximo dia 22 de março de 2019, acontecerá a grande mobilização contra a Reforma da Previdência. É preciso estar juntas e juntos, atentos, firmes e fortes, contra essa medida arbitrária que não considera a realidade do país e, consequentemente, trará dor, pobreza, sofrimento e morte.
Vamos às ruas!